Dar presentes aos amigos, parentes, ou até mesmo conhecidos
e completos estranhos é uma longa tradição. Tal tradição já existia antes mesmo
da Hellas clássica, mas foi, com certeza, uma parte vital da sua cultura. Essa
prática estava ligada a kharis e a xenia. Presentes eram trocados entre os
monarcas das cidades-estados para criar uma boa relação, e era uma parte
importante da diplomacia. Todas as oblações, ofertas de agradecimento e pinakes foram presentes dos mortais aos
Theoi. Competições esportivas sempre eram concluídas com um preço – um presente
– atribuído ao vencedor. Presentes eram dados ao parceiro submisso em uma
relação pederástica, e a prostitutas favorecidas e servos. Os presentes tinham
um papel muito mais importante na sociedade helênica antiga como um todo do que
na nossa atualmente. A troca de presentes na antiga Hélade não era apenas um
evento social, no entanto. Havia muito mais na prática do que se pode supor, e
hoje vamos olhar para essa tradição em maior detalhe.
Eu
falei da importância dos presentes na xenia antes. Um presente dado como parte
de uma hospitalidade ritual se chamava xenion (ξεινήιον).
Este xenion era esperado por ser caro, e era dado ao visitante no momento de
partida. É necessário dizer que esta prática era executada principalmente pela
nobreza, ou pelo menos pela elite, e acontecia geralmente quando um homem de
igual posição social de outra nação ou cidade-estado ia fazer uma visita. Na
Odisseia, Telêmaco, filho de Odisseu, recebe de Menelau uma taça feita pelo
próprio Hefesto:
“Mas fique aqui no palácio, até o décimo-primeiro ou
décimo-segundo dia, e eu te enviarei com honras, e finos presentes, uma
carruagem brilhante com um trio de cavalos, e uma gloriosa taça para verter
libações aos imortais deuses, lembrando-me todos os dias.”
A
prática de presentear alguém de outra nação a qual você poderá nunca ver de
novo pode parecer contraditória, mas é exatamente o contrário. Ao presentear um
estrangeiro com um grande presente, você só não estabelece kharis entre vocês
dois assim como você deixa a pessoa em débito com você: eles não podem
retribuir sua gentileza no momento, mas eles retribuirão quando você for visita-los,
ou quando você estiver precisando. Além disso, a parte que recebe a gentileza
vai para casa com histórias sobre sua hospitalidade e riqueza, impulsionando a
estatura da família e da nação. Ela aumenta a honra de ambos, o que era muito
importante para os antigos helenos. Os presentes, nesse contexto, funcionavam
como meios de comunicação, legitimação e mediação entre benfeitores e cidades.
A
troca de presentes era ainda muito importante além da elite, especialmente
entre os homens. A prática era uma característica do simposion, que ocorria
entre os homens em um relacionamento pederástico, assim como entre homens em pé
de igualdade. A pederastia consistia em um homem maduro tomar um jovem rapaz
como seu pupilo e amante. Essa relação não era sobre amor: era uma construção
social que permitia ao menino tempo para conhecer homens influentes, e
trabalhar a si mesmo. Por causa disso, existiam vários atos rituais que
envolviam esse tipo de prática, entre os quais a distribuição de presentes, do
mentor para seu pupilo. Três presentes eram tradicionais: um traje militar, um
boi e uma taça para bebidas, mais os jovens certamente recebiam presentes mais
caros.
Um
dos lugares em que o jovem amante poderia ser encontrado era o simposion. Ao
permitir que o jovem frequentasse o simposion, era permitido aos adultos
instruí-los para a vida adulta e para a guerra, em particular. Uma vez que os
meninos crescessem, eles se tornavam um dos homens, tomando jovens como amantes
e ensinando-os sobre a vida de um homem adulto. A troca de presentes, nesse
contexto, permitia à comunidade uma maior aproximação, e a preparação para a
vida de um jovem como um homem. Presentear – os jovens amantes assim como
aqueles de igual idade e status – permitiu aos homens ensinar a importância da
distribuição e redistribuição da riqueza, que era um fator fundamental da
sociedade (principalmente da ateniense). Significava, também, um símbolo de
status: se alguém teve tempo de visitar o simposion e dar caros presentes, eles
não eram apenas cidadãos, mas cidadãos prósperos, uma clara marca de que eles
aptos para ter uma maior responsabilidade dentro do cenário político da cidade.
A
maioria desses exemplos vem de cidades-estados ricas (como Atenas), mas há
evidências de trocas de presentes em outras cidades-estados também. Esparta,
por exemplo, desaprovava a ostentação de riquezas, mas também trocava
presentes. Esta prática, entretanto, era mais usual no cotidiano dos próprios
cidadãos – jogos, mel, talvez um cão de caça – e eram honras concedidas às
pessoas em caso de grandes eventos, ou em uma relação assimétrica. Um vencedor
espartano de importantes eventos esportivos, por exemplo, seria recebido na
guarda real do rei, enquanto os vencedores atenienses seriam recebidos com
comida, habitação e status.
Outra
forma de presentear seria de um cidadão rico para a comunidade. Essa prática
era conhecida como “evergetismo”, do grego “εὐεργετέω”: “eu faço coisas
boas”. Enquanto o dinheiro gasto pelo cidadão desta forma era, de fato, uma
ação voluntária, ele era socialmente obrigado a participar da prática. Muitas
estradas e edifícios públicos foram construídos desta forma, e, portanto,
levavam o nome do cidadão que doou os fundos – algo que encontramos evidências
arqueológicas para esses dias.
Presentear era de vital importância nos tempos Arcaico e Clássico
(inicial), principalmente em um contexto social, étnico, econômico e político. No
período Clássico – que testemunhou o desenvolvimento de elaborados sistemas
monetários e de leis – a troca de presentes, e os benefícios associados a essa
prática tornaram-se menos importantes no contexto econômico e político, embora
tenha mantido sua importância nos sistemas sociais e religiosos. O presentear e
a reciprocidade voltaram aos palcos atenienses, no entanto, no período
Helenístico, grande parte do ocorrido anteriormente ocorreu.
O
ato de presentear foi de uma importância sem precedentes para os antigos
helenos, mas perdeu muito de sua posição atualmente. Para aqueles que
reconstroem a antiga religião helênica, pode ser um bom exercício examinar
essas práticas, e implementar uma troca simbólica. Presentes caros não são
necessários, mas um presente de despedida pelo anfitrião pode lembrar ao grupo
(quando tornar a se juntar) as gentilezas recebidas e os presentes do grupo
serão bem-vindos.
Imagem retirada daqui.
Original aqui.
Tradução de Diego Vilaça.