segunda-feira, 1 de abril de 2013

Presentear na Antiga Hellas

Dar presentes aos amigos, parentes, ou até mesmo conhecidos e completos estranhos é uma longa tradição. Tal tradição já existia antes mesmo da Hellas clássica, mas foi, com certeza, uma parte vital da sua cultura. Essa prática estava ligada a kharis e a xenia. Presentes eram trocados entre os monarcas das cidades-estados para criar uma boa relação, e era uma parte importante da diplomacia. Todas as oblações, ofertas de agradecimento e pinakes foram presentes dos mortais aos Theoi. Competições esportivas sempre eram concluídas com um preço – um presente – atribuído ao vencedor. Presentes eram dados ao parceiro submisso em uma relação pederástica, e a prostitutas favorecidas e servos. Os presentes tinham um papel muito mais importante na sociedade helênica antiga como um todo do que na nossa atualmente. A troca de presentes na antiga Hélade não era apenas um evento social, no entanto. Havia muito mais na prática do que se pode supor, e hoje vamos olhar para essa tradição em maior detalhe.
Eu falei da importância dos presentes na xenia antes. Um presente dado como parte de uma hospitalidade ritual se chamava xenion (ξεινήιον). Este xenion era esperado por ser caro, e era dado ao visitante no momento de partida. É necessário dizer que esta prática era executada principalmente pela nobreza, ou pelo menos pela elite, e acontecia geralmente quando um homem de igual posição social de outra nação ou cidade-estado ia fazer uma visita. Na Odisseia, Telêmaco, filho de Odisseu, recebe de Menelau uma taça feita pelo próprio Hefesto:

“Mas fique aqui no palácio, até o décimo-primeiro ou décimo-segundo dia, e eu te enviarei com honras, e finos presentes, uma carruagem brilhante com um trio de cavalos, e uma gloriosa taça para verter libações aos imortais deuses, lembrando-me todos os dias.”

A prática de presentear alguém de outra nação a qual você poderá nunca ver de novo pode parecer contraditória, mas é exatamente o contrário. Ao presentear um estrangeiro com um grande presente, você só não estabelece kharis entre vocês dois assim como você deixa a pessoa em débito com você: eles não podem retribuir sua gentileza no momento, mas eles retribuirão quando você for visita-los, ou quando você estiver precisando. Além disso, a parte que recebe a gentileza vai para casa com histórias sobre sua hospitalidade e riqueza, impulsionando a estatura da família e da nação. Ela aumenta a honra de ambos, o que era muito importante para os antigos helenos. Os presentes, nesse contexto, funcionavam como meios de comunicação, legitimação e mediação entre benfeitores e cidades.
A troca de presentes era ainda muito importante além da elite, especialmente entre os homens. A prática era uma característica do simposion, que ocorria entre os homens em um relacionamento pederástico, assim como entre homens em pé de igualdade. A pederastia consistia em um homem maduro tomar um jovem rapaz como seu pupilo e amante. Essa relação não era sobre amor: era uma construção social que permitia ao menino tempo para conhecer homens influentes, e trabalhar a si mesmo. Por causa disso, existiam vários atos rituais que envolviam esse tipo de prática, entre os quais a distribuição de presentes, do mentor para seu pupilo. Três presentes eram tradicionais: um traje militar, um boi e uma taça para bebidas, mais os jovens certamente recebiam presentes mais caros.
Um dos lugares em que o jovem amante poderia ser encontrado era o simposion. Ao permitir que o jovem frequentasse o simposion, era permitido aos adultos instruí-los para a vida adulta e para a guerra, em particular. Uma vez que os meninos crescessem, eles se tornavam um dos homens, tomando jovens como amantes e ensinando-os sobre a vida de um homem adulto. A troca de presentes, nesse contexto, permitia à comunidade uma maior aproximação, e a preparação para a vida de um jovem como um homem. Presentear – os jovens amantes assim como aqueles de igual idade e status – permitiu aos homens ensinar a importância da distribuição e redistribuição da riqueza, que era um fator fundamental da sociedade (principalmente da ateniense). Significava, também, um símbolo de status: se alguém teve tempo de visitar o simposion e dar caros presentes, eles não eram apenas cidadãos, mas cidadãos prósperos, uma clara marca de que eles aptos para ter uma maior responsabilidade dentro do cenário político da cidade.
A maioria desses exemplos vem de cidades-estados ricas (como Atenas), mas há evidências de trocas de presentes em outras cidades-estados também. Esparta, por exemplo, desaprovava a ostentação de riquezas, mas também trocava presentes. Esta prática, entretanto, era mais usual no cotidiano dos próprios cidadãos – jogos, mel, talvez um cão de caça – e eram honras concedidas às pessoas em caso de grandes eventos, ou em uma relação assimétrica. Um vencedor espartano de importantes eventos esportivos, por exemplo, seria recebido na guarda real do rei, enquanto os vencedores atenienses seriam recebidos com comida, habitação e status.
Outra forma de presentear seria de um cidadão rico para a comunidade. Essa prática era conhecida como “evergetismo”, do grego “εὐεργετέω”: “eu faço coisas boas”. Enquanto o dinheiro gasto pelo cidadão desta forma era, de fato, uma ação voluntária, ele era socialmente obrigado a participar da prática. Muitas estradas e edifícios públicos foram construídos desta forma, e, portanto, levavam o nome do cidadão que doou os fundos – algo que encontramos evidências arqueológicas para esses dias.
 Presentear era de vital importância nos tempos Arcaico e Clássico (inicial), principalmente em um contexto social, étnico, econômico e político. No período Clássico – que testemunhou o desenvolvimento de elaborados sistemas monetários e de leis – a troca de presentes, e os benefícios associados a essa prática tornaram-se menos importantes no contexto econômico e político, embora tenha mantido sua importância nos sistemas sociais e religiosos. O presentear e a reciprocidade voltaram aos palcos atenienses, no entanto, no período Helenístico, grande parte do ocorrido anteriormente ocorreu.
O ato de presentear foi de uma importância sem precedentes para os antigos helenos, mas perdeu muito de sua posição atualmente. Para aqueles que reconstroem a antiga religião helênica, pode ser um bom exercício examinar essas práticas, e implementar uma troca simbólica. Presentes caros não são necessários, mas um presente de despedida pelo anfitrião pode lembrar ao grupo (quando tornar a se juntar) as gentilezas recebidas e os presentes do grupo serão bem-vindos.

Imagem retirada daqui.
Original aqui.
Tradução de Diego Vilaça.